Editorial GA v7 n1 2004

 

Editorial
Regina Fernandes
Licenciada em Letras, UFBA.
Especialista em Pesquisa Educacional, UNESCO/INEP/USP.
Integrante do PGP/LIDERE.


Platão em seu livro "A república" na parte em que se refere à educação, chama a infância, período compreendido entre 0 a 7 anos, de a "Idade dos Contos" e afirma que, a educação, nessa faixa etária, deve acontecer através dos contos.

A proposta de trabalhar as virtudes através dos contos infantis é uma prática natural e louvável; por meio dela podemos desenvolver nas crianças as suas melhores qualidades, tomando como exemplo as das dos heróis, sempre presentes na trama. A lição dos contos é necessariamente clara num mundo onde as injustiças sociais e as diferenças econômicas são flagrantes: o gosto da criança pela leitura, desde cedo, promove a capacidade de ela transitar entre as várias linguagens que lhe vão permitir interpretar o mundo e os seres humanos em um desejo contínuo de aprender e inventar. Inventar sempre. "O homem inventou a roda para ir mais longe, construiu casa que o abriga e a roupa que o protege do sol e do frio", por que não defender a escola uma educação que motive a atuação do aluno na sua criação, na sua expressão, na vivência em grupo, garantindo-lhe sucesso e presença mais viva na sala de aula e permanência na escola? Como? Há um esforço quantitativo para pôr gente na escola. Não há o mesmo esforço para dotar de conteúdo a ação pedagógica e humana das escolas. Ao lado disso, nas casas dos ricos, dos remediados e dos pobres desapareceu a mesa da sala de jantar. Centro de formação moral e psicológica da criança. Nessa mesa eram desenvolvidos valores da sensibilidade, do gosto, da amizade, da solidariedade, do patriotismo. Uma nação só é capaz de se firmar a partir de uma sociedade com um mínimo de exigência ética e moral. E não havendo essas exigências a sociedade continuará de mais a mais se distanciando dos seus ideais, da ética e dos valores civis da república.

Hoje não há mais mesa na sala de jantar onde se praticava também o contar e o ouvir histórias, atividades fascinantes e prazerosas da mente humana. Não há escola com definição de uma política pedagógica que seduza o aluno com projetos contendo valores imprescindíveis para o seu trilhar pela vida de real cidadão.

Segundo Dewey, a educação é um processo de vida e não a preparação para a vida futura; e a escola deve representar a vida presente tão real e vital para o aluno como a que ele vive em casa e na comunidade. Faz-se necessário a mudança de postura pedagógica fundamentada na concepção de que a aprendizagem só acontecerá se houver situações significativas para o aluno, fazendo-o ativo, participativo, reflexivo. E o trabalho com projetos propicia a freqüente execução de tarefas por todos os alunos, tornando-os ativos, participativos, reflexivos, também atores do projeto político pedagógico. O professor, portanto, passa a ser mais ainda mais importante na seleção das informações essenciais. Assim, acontecendo surgirá a etapa da sensibi-lização, de motivação e naturalmente cada aluno contribuirá, mesmo de forma embrionária, com a sua parte na organização e na elaboração de um trabalho pedagógico de significado e protagonizado também pela comunidade, o que será uma demonstração de autonomia escolar.

A boa escola será aquela que submeter seus alunos à maior quantidade possível de experimentações e pesquisas, nas quais o professor desempenhe o papel de facili-tador, saindo da passividade tão comum na escola tradicional para uma educação prática interdisciplinar com interligação das várias ciências particulares, visando uma transformação da realidade; esqueceríamos, com o exercício da gestão democrática e autônoma, os resquícios do governo centralizador d. Pedro I ainda tão presentes na "educação de nível elementar" das nossas escolas conforme ressalta, nesta revista, a professora Antonietta d'Aguiar Nunes.

A transição qualitativa que o país precisa fazer, é sabido, encontra obstáculos difíceis. O despreparo do professor é um deles. Quase a metade (46,7%) dos docentes da rede pública só tem nível médio. Os salários da carreira são de R$320,00 mensais em média. Num contexto de carência de recursos como o atual, será muito difícil melhorar rapidamente esse quadro, mas deixar de agir agora, para que o país dê o salto qualitativo de que tanto necessita, significa condenar as crianças de hoje ao emprego precário de amanhã ou ao desemprego.

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