A
questão do financiamento da educação no Brasil tem sido objeto de
interesse crescente por parte de estudiosos e formuladores de
políticas, tanto pela percepção crescente das limitações do sistema
vigente como pelas mudanças administrativas e fiscais promovidas pela
Constituição de 1988 e, mais recentemente, pela Emenda Constitucional
14/96 e sua lei de regulamentação (Lei no 9.424/96) e pela nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/96). A
literatura sobre o assunto indica que o nível de gastos com a
educação no País é baixo e que o sistema de ensino, como um todo,
sofre problemas de eficiência, eficácia e eqüidade. Dentre os
problemas mais importantes, destacam-se: a complexidade excessiva do
sistema de financiamento, a falta de regras para organizar a
distribuição de responsabilidades entre os vários órgãos que
participam do sistema educacional e a ausência de procedimentos
efetivos para monitorar e avaliar a distribuição e uso dos fundos
públicos. Dentre as conseqüências destes e de outros problemas
relacionados, estão os níveis altíssimos de desperdício,
desigualdade e manipulação política dos recursos financeiros
públicos, no sistema educacional brasileiro.
Apesar
do consenso de que o sistema vigente é falho, a pesquisa empírica
sobre o assunto permanece escassa. Dados sobre a distribuição e a
utilização dos recursos financeiros para a educação, além de serem
difíceis de obter, quando estão disponíveis freqüentemente são
desatualizados, incompletos e pouco confiáveis. Isto ocorre em todos os
segmentos do sistema educacional, especialmente no caso de estados e
municípios, onde os pesquisadores são obrigados a confiar em dados
coletados em diversas fontes e com pouca consistência interna. Por
causa destes problemas, análises sobre o financiamento da educação no
Brasil têm sido difíceis de realizar e, assim, são raramente
efetuadas com a devida sofisticação.
A
iniciativa mais importante no âmbito do financiamento do ensino
fundamental no Brasil nestes últimos anos é, sem dúvida, a
implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef. Desde sua
criação, no entanto, o referido Fundo tem gerado um debate intenso,
tanto dentro da comunidade acadêmica quanto fora dela, referente aos
seus pontos positivos e negativos. Como conseqüência dessa polêmica,
a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE)
instituiu, no ano de 2001, uma pesquisa em rede nacional intitulada
Processo de Implantação e Impacto do Fundef em Estados e Municípios:
casos e comparações com vistas a uma avaliação. A referida pesquisa
foi financiada pela Fundação Ford coordenada por Dr. Romualdo Portela
de Oliveira, da Universidade de São Paulo. A investigação foi
realizada em 12 estados brasileiros e adotou como estratégia
metodológica a condução comparativa de estudos de caso. Em cada UF
integrante da pesquisa, foram realizados estudos aprofundados,
utilizando técnicas investi-gatórias quantitativas e também
qualitativas, abordando os sistemas de ensino do estado, do município
capital e de outros municípios que apresentassem condições distintas
quanto à relação contribuição/ recebimento dos recursos do Fundef.
Na
Bahia, como integrante na pesquisa nacional, foram realizados seis
estudos de casos individuais, depois integrados numa análise
comparativa, na perspectiva de um estudo de caso múltiplo,
compreendendo o Estado da Bahia e os Municípios de Salvador,
Alagoinhas, Vitória da Conquista, São Sebastião do Passé e
Governador Mangabeira. A pesquisa foi realizada por um grupo associado
ao Núcleo de Políticas e Gestão Educacional do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFBA e também ao Centro de Estudos
Interdis-ciplinares para o Setor Público (ISP). O referido grupo,
apoiado pelo CNPq a partir de 1994, realiza pesquisas sobre o
financiamento da educação básica no estado desde o início da década
de 90, e, assim, o foco no Fundef representou mais uma etapa de uma
linha investigativa já consolidada. Dos 9 artigos que compõem o
presente volume, oito são produtos diretos da pesquisa na Bahia e o
nono, que aparece em primeiro lugar, tem como seu autor o coordenador
nacional da investigação. Os artigos estão ordenados de forma a
passar sistematicamente de abordagens genéricas e abrangentes para as
que são especificas e localizadas. Assim, inicia-se com o trabalho de
Romualdo Portela de Oliveira que trata da relação
municipalização/gestão democrática, seguido por três artigos que
abordam resultados referentes à pesquisa na Bahia como um todo. Nos
cinco artigos que ficam por último, são apresentados os estudos de
caso realizados nos municípios selecionados. Embora seja ainda cedo
chegar a conclusões definitivas sobre o impacto do Fundef, os artigos,
no seu conjunto, ressaltam tendências marcantes e estabelecem um ponto
de partida para outras investigações, ainda mais sofisticadas, sobre o
assunto. Além disso, eles evidenciam esforços a integrar técnicas de
pesquisa quantitativas e qualitativas e, esperançosamente, contribuem
para a criação de uma cultura em que políticas públicas, de toda
natureza, são submetidas a processos de acompanhamento e avaliação
baseados em procedimentos e critérios cientificamente construídos.