Editorial GA v6 n2 2003

 

Editorial
Robert E. Verhine
Diretor do Centro de Estudos
Interdisciplinares para o Setor Público (ISP/UFBA).


A questão do financiamento da educação no Brasil tem sido objeto de interesse crescente por parte de estudiosos e formuladores de políticas, tanto pela percepção crescente das limitações do sistema vigente como pelas mudanças administrativas e fiscais promovidas pela Constituição de 1988 e, mais recentemente, pela Emenda Constitucional 14/96 e sua lei de regulamentação (Lei no 9.424/96) e pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394/96). A literatura sobre o assunto indica que o nível de gastos com a educação no País é baixo e que o sistema de ensino, como um todo, sofre problemas de eficiência, eficácia e eqüidade. Dentre os problemas mais importantes, destacam-se: a complexidade excessiva do sistema de financiamento, a falta de regras para organizar a distribuição de responsabilidades entre os vários órgãos que participam do sistema educacional e a ausência de procedimentos efetivos para monitorar e avaliar a distribuição e uso dos fundos públicos. Dentre as conseqüências destes e de outros problemas relacionados, estão os níveis altíssimos de desperdício, desigualdade e manipulação política dos recursos financeiros públicos, no sistema educacional brasileiro.

Apesar do consenso de que o sistema vigente é falho, a pesquisa empírica sobre o assunto permanece escassa. Dados sobre a distribuição e a utilização dos recursos financeiros para a educação, além de serem difíceis de obter, quando estão disponíveis freqüentemente são desatualizados, incompletos e pouco confiáveis. Isto ocorre em todos os segmentos do sistema educacional, especialmente no caso de estados e municípios, onde os pesquisadores são obrigados a confiar em dados coletados em diversas fontes e com pouca consistência interna. Por causa destes problemas, análises sobre o financiamento da educação no Brasil têm sido difíceis de realizar e, assim, são raramente efetuadas com a devida sofisticação.

A iniciativa mais importante no âmbito do financiamento do ensino fundamental no Brasil nestes últimos anos é, sem dúvida, a implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério - Fundef. Desde sua criação, no entanto, o referido Fundo tem gerado um debate intenso, tanto dentro da comunidade acadêmica quanto fora dela, referente aos seus pontos positivos e negativos. Como conseqüência dessa polêmica, a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) instituiu, no ano de 2001, uma pesquisa em rede nacional intitulada Processo de Implantação e Impacto do Fundef em Estados e Municípios: casos e comparações com vistas a uma avaliação. A referida pesquisa foi financiada pela Fundação Ford coordenada por Dr. Romualdo Portela de Oliveira, da Universidade de São Paulo. A investigação foi realizada em 12 estados brasileiros e adotou como estratégia metodológica a condução comparativa de estudos de caso. Em cada UF integrante da pesquisa, foram realizados estudos aprofundados, utilizando técnicas investi-gatórias quantitativas e também qualitativas, abordando os sistemas de ensino do estado, do município capital e de outros municípios que apresentassem condições distintas quanto à relação contribuição/ recebimento dos recursos do Fundef.

Na Bahia, como integrante na pesquisa nacional, foram realizados seis estudos de casos individuais, depois integrados numa análise comparativa, na perspectiva de um estudo de caso múltiplo, compreendendo o Estado da Bahia e os Municípios de Salvador, Alagoinhas, Vitória da Conquista, São Sebastião do Passé e Governador Mangabeira. A pesquisa foi realizada por um grupo associado ao Núcleo de Políticas e Gestão Educacional do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA e também ao Centro de Estudos Interdis-ciplinares para o Setor Público (ISP). O referido grupo, apoiado pelo CNPq a partir de 1994, realiza pesquisas sobre o financiamento da educação básica no estado desde o início da década de 90, e, assim, o foco no Fundef representou mais uma etapa de uma linha investigativa já consolidada. Dos 9 artigos que compõem o presente volume, oito são produtos diretos da pesquisa na Bahia e o nono, que aparece em primeiro lugar, tem como seu autor o coordenador nacional da investigação. Os artigos estão ordenados de forma a passar sistematicamente de abordagens genéricas e abrangentes para as que são especificas e localizadas. Assim, inicia-se com o trabalho de Romualdo Portela de Oliveira que trata da relação municipalização/gestão democrática, seguido por três artigos que abordam resultados referentes à pesquisa na Bahia como um todo. Nos cinco artigos que ficam por último, são apresentados os estudos de caso realizados nos municípios selecionados. Embora seja ainda cedo chegar a conclusões definitivas sobre o impacto do Fundef, os artigos, no seu conjunto, ressaltam tendências marcantes e estabelecem um ponto de partida para outras investigações, ainda mais sofisticadas, sobre o assunto. Além disso, eles evidenciam esforços a integrar técnicas de pesquisa quantitativas e qualitativas e, esperançosamente, contribuem para a criação de uma cultura em que políticas públicas, de toda natureza, são submetidas a processos de acompanhamento e avaliação baseados em procedimentos e critérios cientificamente construídos.

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